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Análise etnográfica de um grupo de Capoeira Angola na cidade de Lyon-França e sua relação com o contexto global

Celso de BRITO et Bernardo LEWGOY
décembre 2012

DOI : https://dx.doi.org/10.56698/cultureskairos.538

Résumés   

Résumé

Dans cet article, nous étudions le phénomène de la transnationalisation de la Capoeira Angola contemporaine : quelles sont les valeurs qui composent la Capoeira Angola transnationale ? Devient-elle une marchandise et, de ce fait, s’homogénéise-t-elle pour répondre aux exigences du marché mondialisé ? Pour répondre à ces questions, nous avons établi une division heuristique entre, d’un côté, une dimension globale (le système de lignée de la Capoeira Angola) et, d’un autre côté, une dimension locale (les rituels de roda du Grupo de Capoeira Angola Cabula/GCAC de Lyon, France). La dimension locale est ici conçue de deux façons : 1) l’appropriation et la signification nouvelle, lyonnaise, du sens de la pratique de la Capoeira Angola ; 2) une continuité des symboles rituels originaires de la ville de Salvador, Brésil. Nous proposons que les rituels réalisés dans la ville de Lyon, ainsi que la dissémination globale de la Capoeira Angola, soient étudiés selon une logique interne qui remonte aux « fondements » de la Capoeira Angola de Salvador enracinée dans les conceptions de Mestre Pastinha au début du XXe siècle. Pour conclure, nous suggérons que la CapoeiraAngola contemporaine révèle que le phénomène de sa mondialisation ne se limite ni à une homogénéisation de la culture globale, ni à l’extinction des cultures et des sociabilités locales.

Abstract

This study inquires about the phenomenon of transnationalization of contemporary capoeira angola: what are the values that comprise transnational capoeira angola? Does it become a merchandize being homogenized to meet the demands of a globalized market? Trying to answer those questions, we established an heuristic division between a global dimension (lineage system of capoeira angola) and a local dimension (rituals of roda of capoeira from the Capoeira Angola Cabula Group/GCAC-Lyon, France). However, the concept of locality is taken here in two ways: 1) the Lyonese appropriation and redefinition of the meaning of the practice of Capoeira Angola, and 2) a continuity of ritual symbols from the place of origin in Salvador, Brazil. We propose that the rituals performed locally in Lyon and the global dissemination of Capoeira Angola can be considered according to an internal logic that goes back to the “fundamentals” of Capoeira Angola from Salvador, rooted in Master Pastinha’s conceptions in the early 20th century. To conclude, we suggest the contemporary Capoeira Angola demonstrates that the phenomenon of globalization is not confined to the homogenization of global culture nor to the extinction of local cultures and sociability.

Resumo

Neste artigo, indagamos acerca do fenômeno de transnacionalização da Capoeira Angola contemporânea: quais são os valores que conformam a Capoeira Angola transnacional? Ela se torna uma mercadoria e se homogeneíza para atender a exigências de um mercado globalizado? Para tentar responder a estas perguntas, estabelecemos uma divisão heurística entre uma dimensão global (sistema de linhagem da Capoeira Angola) e outra dimensão local (rituais da Roda de Capoeira do Grupo de Capoeira Angola Cabula/GCAC de Lyon, França). Entretanto, a concepção de localidade é aqui tomada de duas formas: 1) a apropriação e a ressignificação lyonesa do sentido da prática da Capoeira Angola, e, 2) uma continuidade dos símbolos rituais advindos da localidade de origem na cidade de Salvador, no Brasil. Propomos aqui que os rituais realizados localmente na cidade de Lyon bem como a disseminação global da Capoeira Angola sejam considerados segundo uma lógica interna que remonta aos « fundamentos » da Capoeira Angola soteropolitana enraizada nas concepções de mestre Pastinha do início do século XX. A título de conclusão, sugerimos que a Capoeira Angola contemporânea demonstra que o fenômeno de globalização não se restringe à homogeneização da cultura global, nem tão pouco à extinção de culturas e sociabilidades locais.

Index   

Index de mots-clés : capoeira angola, flux culturels, transnationalisation, système de lignée, rituel de roda de capoeira angola.
Index by keyword : capoeira angola, cultural flows, transnationalism, lineage system of capoeira angola, rituals of roda de capoeira angola.
Índice de palavras-chaves : capoeira angola, fluxos culturais, transnacionalismo, sistema de linhagem, ritual da roda de capoeira angola.

Texte intégral   

Introdução

1A Capoeira Angola em sua dinâmica global poderia ser analisada tanto no registro de uma análise histórica de longo alcance, enquanto fenômeno marcado pelo tráfico de escravos africanos, tal qual sugere Assumpção (2005), quanto como uma « glocalização » de aspectos culturais portugueses, indígenas e africanos (Delamont e Stephen, 2008) ocorrido na década de 1930. Contudo, no decorrer da segunda metade do século XX, a Capoeira adquire novas características, algumas inclusive decorrentes de processos anteriores referentes a temas como filosofia1, política e religiosidade, que requerem uma renovada análise acerca do processo de globalização da Capoeira contemporânea.

2Tais mudanças poderiam ser vislumbradas a partir da figura de Manuel dos Reis Machado, conhecido como mestre Bimba. Aproveitando o contexto político no qual a identidade nacional associada às manifestações culturais estava sendo forjada, mestre Bimba incluí o ensino da Capoeira em clubes das classes médias da cidade de Salvador frequentados por filhos de políticos influentes. A conquista deste novo espaço social dotou a Capoeira de força política necessária para retirá-la do código penal vigente até então. Para que essa ascensão social fosse possível, mestre Bimba introduz ao conjunto de elementos que formava a Capoeira elementos como golpes de boxe e jiu-jitsu ; sistema de graduação marcando fases do aprendizado ; batizados2 e formaturas de professores. Além disso, mestre Bimba impôs aos seus alunos atestação de vínculo empregatício e instaurou uma bateria de instrumentos formada apenas por um berimbau e dois pandeiros, retirando assim parte dos instrumentos utilizados até então que poderiam associar a Capoeira ao Candomblé3.

3Se tomarmos a globalização como um processo decorrente da conformação de diferentes culturas locais a uma linguagem mais acessível globalmente, poderíamos nos contentar em dizer que este processo de institucionalização da Capoeira teria sido uma primeira força da globalização da Capoeira que viria a ocorrer na segunda metade do século XX, já que pode ser entendido como uma tentativa de adequação da cultura da Capoeira à linguagem esportiva das artes marciais. Contudo, como sabemos, a especificidade cultural da Capoeira Regional não se diluiu em meio a estas transformações. Além disto, existiam outros capoeiristas que, assim como mestre Bimba, contribuíram para o desenvolvimento da Capoeira neste período. Contemporâneos de mestre Bimba havia, em Salvador, aqueles capoeiristas que preferiam a Capoeira da forma com que era praticada nas festas de largo4.

4Na Gengibirra5 havia um jovem mestre que foi escolhido pelos seus pares para assegurar o futuro da Capoeira que ali era praticada. Esse foi Vicente Ferreira Pastinha, conhecido como mestre Pastinha. No embate ideológico que se instaurara entre a Capoeira Regional e a Capoeira Angola, mestre Pastinha fazia de sua prática reivindicação e afirmação identitárias relacionadas à origem africana6. Muitos de seus pensamentos se fazem presentes nos dias de hoje, um deles é frequentemente encontrado em murais de academias : « O berimbau é o primitivo mestre, ensina pelo som ».

5Nos anos que se seguiram, o fenômeno de midiatização da Capoeira Regional como « ginástica brasileira » (Marinho, 1982) somado à sua disseminação promovida pelos militares (Santos, 2005) ocasionaram um retraimento da Capoeira Angola. Na década de 1980, cai o regime ditatorial que durou cerca de vinte anos no Brasil e muitos movimentos de minoria como o Movimento Negro Unificado se fortalecem. Uma das pautas do Movimento Negro brasileiro deste período é a reivindicação da « africanidade » em oposição à « mestiçagem » através da mobilização de manifestações culturais na esfera política (Agier, 1992).

6Assim, Pedro Moraes Trindade, ou mestre Moraes, retoma os fundamentos de mestre Pastinha relacionados à « africanidade » da Capoeira Angola e, com seu discípulo Cobrinha, leva a Capoeira Angola aos Estados Unidos (Granada, 2004) onde surgem grupos de afro-americanos que, assim como alguns grupos brasileiros, passam a fazer Capoeira Angola com fins « etnopolíticos » (Agier, 1992) cuja referência à nacionalidade brasileira é substituída pelo « afro-americanismo », ou seja, uma referência nacional se torna étnica, tal qual o caso da feijoada relatado por Peter Fry (1982) em Para inglês ver : identidade e política na cultura brasileira. A Capoeira Angola deste momento é perpassada por forças globais e locais, mercantis e de reciprocidades que se articulam com concepções étnicas e mágico-religiosas (Brito, 2011, 2012) pautadas em relações semelhantes às de parentesco, ancoradas no valor da ancestralidade e inseridas no campo semântico do « tradicional » localizado em oposição ao « moderno ». A partir deste período, mestre Moraes torna-se uma figura importante na Capoeira Angola e contribui para a formulação de valores e discursos que se tornam hegemônicos na Capoeira Angola. Um deles consta na seguinte frase : « A roda da Capoeira Angola é como a roda da vida ou a roda do Mundo : uma é pequena e a outra é grande, mas as duas são parecidas e se o camarada aprende a viver na roda de Capoeira Angola ele aprende a viver na roda do mundo ».

A Capoeira Angola e a Antropologia

7Assim como Silva (2000) foi interpelado pelo fato de haver muitos adeptos de religiões de matriz africana tornando-se antropólogos e vice-versa, também temos reparado um fenômeno parecido no contexto da Capoeira e pensamos que mereceria uma maior consideração. Isso nos chamou atenção durante uma temporada de trabalho de campo em Lyon, onde evidenciou-se que o ser pesquisador e o ser angoleiro não aparecem como identidades completamente distintas. Tanto um de nós é um antropólogo e angoleiro7, quanto alguns dos angoleiros lyoneses são também antropólogos. Como decorrência dessa dubiedade, por vezes nos sentíamos como a emanação do angoleiro brasileiro e em outras, como consequência dessa última identidade, nos sentíamos como nativos pesquisados por antropólogos lyoneses sendo questionados sobre nossa prática da Capoeira Angola no Brasil.

8Muitas vezes, durante entrevistas ou tentativas de agendamento delas, os lyoneses nos diziam : « mas eu não tenho nada para falar sobre Capoeira Angola, são vocês que devem me falar dela » ou então, « o mais óbvio é o contrário, nós franceses que temos que ir ao Brasil estudar a Capoeira Angola com vocês, angoleiros brasileiros ». Quando buscávamos atenuar essas dificuldades explicando que o foco de nosso interesse era justamente entender a Capoeira Angola contemporânea longe do Brasil, nos surpreendíamos com expressões que nos diziam : estamos sendo avaliados por um angoleiro brasileiro !

9Pairava no ar certo temor de que este estudo antropológico se tornasse um laudo angoleiro onde constasse que o grupo lyones fizesse « mau uso » dos ensinamentos tradicionais advindos de seu mestre brasileiro ; ao mesmo tempo em que havia uma expectativa de publicizar a seriedade com que conduziam o trabalho com a « tradicional »8 Capoeira Angola em terras francesas.

10É interessante pensar que a legitimidade do Brasil na esfera da Capoeira Angola abre portas de uma rede transnacional ao antropólogo, ao mesmo tempo em que fecha o seu acesso a uma esfera de « intimidade cultural », no sentido atribuído por Herzfeld (2008), segundo o qual há espaços de diálogos restritos onde o pesquisador só poderia acessar em determinadas condições e situações, sobretudo aqueles espaços onde são tecidas as críticas acerca do pesquisador e do que ele representa localmente. No caso aqui descrito, foi possível acessar alguns destes espaços de intimidade de modo que nós pudemos perceber algo que relativiza a ideia de uma cultura brasileira ideal : assim como os brasileiros são valorizados por alguns atributos culturais como a sua sociabilidade e simpatia, há uma desvalorização associada a comportamentos machista, agressivo e, de certo modo, excessivamente malicioso.

11De toda forma, a nossa relação com os angoleiros lyoneses nos conduziu à questão do papel dos brasileiros no processo de legitimação da identidade dos angoleiros do núcleo do Grupo de Capoeira Angola Cabula (GCAC) de Lyon como sendo uma « chave » possível de entendimento acerca da disseminação global da Capoeira Angola contemporânea.

12Como dissemos acima, hoje temos um quadro global da Capoeira Angola que apresenta uma nova dinâmica. Neste artigo, indagamos acerca deste contexto : quais são os valores que conformam a Capoeira Angola contemporânea transnacionalizada ? Ela se torna uma mercadoria e se homogeneíza para atender ao mercado globalizado ? Para tentar responder a estas perguntas, estabelecemos uma divisão heurística entre uma dimensão global (sistema de linhagem) e outra dimensão local (rituais da roda do Grupo de Capoeira Angola Cabula de Lyon - GCAC). A concepção da localidade é aqui tomada de duas formas : 1) a apropriação e a ressignificação lyonesa do sentido da prática da Capoeira Angola  e, 2) uma continuidade dos símbolos rituais de Salvador9. Propomos aqui que os rituais realizados localmente na cidade francesa de Lyon bem como a disseminação global da Capoeira Angola sejam considerados segundo uma lógica interna que remonta aos « fundamentos » da Capoeira Angola soteropolitana enraizada nas concepções de mestre Pastinha do início do século XX.

13Deste estudo, sugerimos então que o fenômeno conhecido como globalização não possui forças suficientes para desestruturar todos os sistemas culturais locais em suas especificidades.

Os fluxos de significados da Capoeira Angola de Lyon

14A noção de « globalização » designa amiúde o fenômeno de larga escala que envolve a comunicação imediata através de redes de computadores de alcance global, a flexibilização de capital, os fluxos de imigrantes e de informações que ocorreu nas décadas de 1970 e 1980. Appadurai (2005) buscou demonstrar este fenômeno mobilizando conceitos como « paisagens étnicas » (ethnoscapes, valores e símbolos étnicos que viajantes e/ou imigrantes levam consigo para outras localidades) e « paisagens midiáticas » (mediascapes, informações disseminadas por imagens vinculadas a mídia, seja internet, seja TV, etc.) enquanto tipologias de fluxos culturais globais. Seguimos alguns dos passos do autor mapeando os fluxos culturais envolvidos na formação do núcleo do Grupo Capoeira Angola Cabula da cidade de Lyon.

15Tudo começa com Fred Bendongué, um coreógrafo franco-senegalês que vivia em Lyon e criava suas peças a partir de obras de teóricos que se dedicaram a análises acerca do contato interétnico em países que se libertaram da colonização. Uma de suas peças chama-se Les damnés de la Terre, título de um dos livros de Franz Fanon (2002), que viveu durante alguns anos na cidade de Lyon. Em 1996, Bendongué é agraciado com um dos maiores prêmios para coreógrafos, o Bessie Awards, em Nova Iorque, justamente ao lado da sede do grupo Center of Capoeira Angola master João Grande – que hoje mantem núcleos espalhados pela Europa e Ásia – fundado por João Oliveira dos Santos, mestre João Grande, ex-aluno de mestre Pastinha e que iniciou o ensino da Capoeira Angola nos Estados-Unidos no final dos anos de 1980. No mesmo ano, Bendongué viaja para o Brasil onde trabalha com a companhia de dança mineira, Grupo Corpo, e aproveita para enriquecer seus conhecimentos sobre a Capoeira Angola. Após poucos meses, retorna à Lyon e funda um grupo de Capoeira Angola associado a sua companhia de dança chamada Azanie.

16Além de Bendongué, Jonathan10, pode ser evocado como exemplo de « paisagens étnicas » da Capoeira Angola lyonesa. Trata-se de um músico brasileiro que havia praticado Capoeira em Curitiba e mudou-se para Lyon em 2000 para estudar, onde defendeu sua dissertação sobre Educação popular e Capoeira Angola (Silva, 2004). Lá, conhece Bendongué e seus alunos e acaba por transmitir-lhes a ideia de que a Capoeira Angola praticada no Brasil é algo mais do que uma dança ou coreografia e que ela deveria ser algo coletivo que passasse pelo pertencimento a uma comunidade e pela orientação de um mestre que transmitiria os « fundamentos da verdadeira Capoeira Angola ancestral ». Assim, instaurou-se entre os angoleiros de Lyon a necessidade de conhecer o Brasil e a « verdadeira » Capoeira Angola de que Jonathan falava. Nesse momento, alguns angoleiros (Irme e Ada, entre outros) formaram-se na faculdade e iniciaram seus cursos de mestrado estudando a Capoeira Angola e também as relações étnicas em Salvador-BA e em Olinda-PE.

17Por via destes pequenos trechos biográficos, podemos vislumbrar o processo chamado por Alves (2011, s/p) de transnacionalização designando processos que envolvem relações sociais espalhadas e multilocais, que atravessam fronteiras nacionais sem referência necessária a um centro único, associadas ou não a processos migratórios.

18Ada é uma personagem importante nesse contexto. Angoleira e antropóloga, analisou a relação do Candomblé com a Capoeira Angola em sua dissertação de mestrado Capoeira Angola et Candomblé à Salvador de Bahia (Duque-Carter, 2004) e se deparou com aproximações entre as duas manifestações no que se refere aos elementos do aprendizado (músicas, danças, hierarquias e cores). O reconhecimento da relação entre Capoeira Angola e Candomblé fortaleceu a ligação entre a prática de Capoeira Angola e uma dimensão religiosa/sagrada acerca do mestre que se disseminou entre os angoleiros de Lyon. « A importância do mestre », da « ancestralidade » e também da « sacralidade » de que Jonathan lhe contava foi reconhecida de modo que, em conjunto com seus companheiros angoleiros de Lyon, decide pedir ao mestre Barba Branca que os guiasse em seu aprendizado e também que os autorizasse a representá-lo formando um núcleo do GCAC em Lyon.

19Além dessas « paisagens étnicas », a formação do núcleo GCAC de Lyon é perpassada por « paisagens midiáticas ». A Internet é uma importante ferramenta de informação para este núcleo, principalmente através do sítio chamado Youtube. Lá, encontram-se muitos vídeos de Capoeira Angola que funcionam como fonte de inspiração para as aulas do núcleo. Todas essas informações são apropriadas e significadas pelos angoleiros lyoneses de modo a formarem o seu « mundo imaginado » (Appadurai, 2005, p. 32) da Capoeira Angola.

20Claro que cada angoleiro de Lyon entende seu engajamento na Capoeira Angola de forma peculiar. Alguns deles concebem ou atribuem à Capoeira Angola características tais quais, por exemplo : uma religião tribal (Aladin), uma alternativa ao individualismo moderno (Paul), uma vida comunitária (Alex), um posicionamento político frente à história de colonização europeia (Ciríl), uma busca de raízes ancestrais (Daphná), uma aproximação com a origem da humanidade (danseuse), uma busca das raízes africanas (Karine), um aprendizado de sociabilidade coletiva (Irme).

21De todo modo, por mais heterogêneo que possa parecer, há uma confluência de todos os discursos relativa à já apresentada oposição a um modo de vida percebido como « francês, moderno e universalista », seja relativo ao laicismo, ou à colonização, ou mesmo ao individualismo.

22Vemos aqui uma especificidade da Capoeira Angola lyonesa : o uso da Capoeira Angola como fortalecimento de um posicionamento político de oposição a uma concepção de cultura nacional francesa. Antes de criar um estereotipo da sociedade francesa a partir de um ponto de vista único, apresentamos aqui apenas uma formulação daquilo que Herzfeld chamou de « dissidência criativa » (Herzfeld, 2008, p. 16) face à representação da unanimidade cultural de um estado-nação. Como nos disse mais de um informante lyones : « a Capoeira Angola e a cultura brasileira parecem ser uma opção para àqueles que não se adaptam aos valores da sociedade francesa ». É no sentido de oposição a um modo de vida tido como « moderno » que o mundo imaginado da Capoeira Angola lyonesa torna-se uma prática « tradicional », religiosa (no sentido de religar(e) relações rompidas) com viés político para os angoleiros lyoneses11.

23Talvez seja interessante lembrar Latour (1994) quando afirma que a ideia de tradição se constrói em oposição à ideia de modernidade artificialmente pelos autointitulados modernos com intuito de construir uma lacuna e uma hierarquização entre culturas que exaltam a superioridade dos modernos. O caso dos angoleiros lyoneses nos mostra uma faceta da construção do tradicional em oposição ao moderno e uma consequente hierarquização, porém, talvez seja conveniente apontar uma sutil mudança na valoração deste quadro : a ideia de tradição seria mantida e reforçada com o intuito de construir uma ferramenta de crítica social à modernidade na qual se veem imersos involuntariamente e indesejavelmente. Parece-nos que aqui o tradicional passa a ocupar uma posição privilegiada sobre o moderno.

24Esta concepção local da Capoeira Angola lyonesa é mais bem observada, contudo, quando pensada em articulação com o sistema de linhagem que liga grupos de várias localidades em uma rede global pautada na noção de ancestralidade.

Sistema de linhagem da Capoeira Angola e a figura do mestre

25Ainda na primeira metade do século XX, mestre Pastinha credita seus conhecimentos acerca da Capoeira Angola a um sujeito conhecido como Africano Benedito. Waldeloir Rego (1968) aponta para o fato de que capoeiristas de sua época diziam que o « mestre Pastinha fora aluno de Aberrê... » (Rego, 1968, p. 179). Não nos cabe aqui questionar o estatuto de veracidade desta relação, mas apenas apontar a importância inquestionável que tal imediaticidade entre mestre Pastinha e a África, através de sua condição de discípulo brasileiro que aprende a Capoeira Angola com um « autêntico » Africano, significa para a consolidação da « africanidade » de sua prática.

26Outros elementos que sugerem a relação de mestre Pastinha com a africanidade da Capoeira Angola existem, mas tendemos a crer que a relação entre mestre Pastinha e Africano Benedito tornou-se a materialização de seu posicionamento ideológico que, por sua vez, propiciou a formação da noção de linhagem que, mestre Moraes, na década de 1980 retoma, desenvolvendo o que Araújo (2004) chamou de « escola pastiniana » e, como diz Andrade (2005), contribui para o processo de « reafricanização da Capoeira Angola ». Este processo nos interessa porque acreditamos ser esta a organização social que estrutura a Capoeira Angola Contemporânea transnacional.

27Haveria, então, um sistema social de linhagem, cuja ideia básica teria surgido com a relação de mestre Pastinha e mestre Benedito, no qual angoleiros de diferentes partes do globo se conectariam a uma « África mítica » mediados por um mestre. Neste sentido a única relação imediata com a África seria a de mestre Pastinha, daí decorreria parte de sua importância no universo da Capoeira Angola. Cada mestre teria os fundamentos que herdou de seu mestre servindo como sinais diacríticos dentro de um sistema de muitas linhagens : a forma de tocar, de jogar, de conduzir um ritual, de vestir, de cantar, etc. Seria então a partir das relações de aproximação e distanciamento destes sinais diacríticos, ou seja, dos fundamentos das linhagens, que grupos se reuniriam ou não para parcerias tais como realização de eventos, apresentações e mesmo rodas de Capoeira Angola.

28Na cidade de Lyon, existe um evento anual de Capoeira Angola chamado Zoom Brasil, organizado através da parceria entre o Grupo de Capoeira Angola Cabula (GCAC) e o Grupo de Capoeira Filhos de Angola (GCFA). Os responsáveis pelo GCAC de Lyon nos disseram que se sentiam ilhados na França, posto que, mesmo existindo muitos grupos de Capoeira em sua cidade, nenhum deles pertence a sua linhagem imediata. O GCFA é da linhagem de mestre Pastinha, porém, as árvores genealógicas dos dois grupos convergem somente há quatro gerações passadas, o que significa que, apesar da ligação e certa identificação, há muitas diferenças que se construíram nessas gerações que se antecederam. Entretanto, os angoleiros do GCAC justificam a parceria afirmando : « o GCFA não é da nossa linhagem mais próxima, mas, como nós, são da linhagem de mestre Pastinha ».

29Em eventos internacionais de Capoeira Angola, a prioridade é convidar mestres das linhagens dos angoleiros organizadores do evento ; nesse evento de 2009, mestre Barba Branca (GCAC) (residente em Salvador da Bahia), e mestre Laércio (GCFA) (brasileiro, porém residente na Alemanha) estiveram presentes. Com isso, percebemos que a ligação estabelecida pelas linhagens conecta sujeitos espacialmente distanciados, porém aproximados no que se refere a uma ancestralidade comum. Esse é o momento no qual o grupo de angoleiros aspirante adquire uma identidade no interior do sistema de linhagem, já que se trata de uma estrutura social aberta, ou seja, além da mobilização de diferentes níveis de proximidade, o pertencimento e a relação de ancestralidade não são de modo algum fixos, por exemplo : capoeiristas regionais podem integrar-se a este sistema tornando-se assim angoleiros, da mesma forma que angoleiros de uma determinada linhagem podem se inserir em outra linhagem.

30A relação entre ancestralidade, sagrado e sociabilidade presente nesta concepção permite uma aproximação entre a Capoeira Angola e o Candomblé. O angoleiro passaria por fases semelhantes àquelas pelas quais um filho de santo passa : um período de aprendizado dos fundamentos básicos (da sacralidade de alguns elementos) para em seguida ser reconhecido pelo seu tutor (pai ou mãe de santo) em um ritual onde ele é apresentado ao seu grupo mais próximo e também à parte da comunidade religiosa mais ampla, na qualidade de um novo pertencente daquele grupo social ; a partir deste momento, o iniciado é identificado, não apenas pela sua identidade pessoal, mas também pela sua filiação ancestral e pertencimento através dos quais se aproximará e se distanciará de outros grupos sociais desta comunidade.

31Seria pela filiação a um grupo inserido no sistema de linhagem, por meio da mediação de um mestre, que sujeitos considerados « profanadores » – ou seja, sujeitos que jogam Capoeira Angola sem obedecer ou conhecer seus fundamentos – iniciam seu aprendizado através do qual a esfera do « sagrado ancestral » no ritual da roda de Capoeira Angola pode ser acessada. Ora, é justamente essa dimensão sagrada do ritual que atualiza cotidianamente o vínculo social do sistema de linhagem da Capoeira Angola global12.

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Folder de publicidade do GCAC-França (Grupo de Capoeira Angola Cabula). O folder foi me dado durante uma roda de Capoeira Angola, em 2010, na cidade de Grenoble, onde existe um núcleo do GCAC-França que, até a data da pesquisa, era supervisionado pelas lideranças do núcleo da cidade de Lyon (© Brito, 2010).

Ritual da roda de Capoeira Angola e o papel do Berimbau

32Apesar das especificidades de cada grupo, que pode significar uma variação quanto ao número de pandeiros (um ou dois) e, principalmente, na organização das posições dos instrumentos, todos os grupos partilham da ideia de que o berimbau é o elemento mais importante para o ritual da roda de Capoeira Angola e utilizam três deles : viola, médio e gunga.

33Há uma hierarquia entre os instrumentos cujo topo é o berimbau gunga. É com a cadência deste instrumento que o ritual acontece : inicia, mantem-se e termina. Ao soar uma nota só, o gunga informa que algo acontecerá : um toque de berimbau vai mudar, alguma coisa deve ser corrigida ou então o jogo terminou. De todo modo, ao ouvi-lo ressoar, os angoleiros que estão no centro da roda retornam ao « pé do berimbau » e aguardam. O « pé do berimbau » é o espaço localizado imediatamente em frente e abaixo dos berimbaus, local onde, segundo mestre João Grande, se concentra toda a « energia sagrada da roda » (Faria, 2004). Este local é onde ocorre a concentração, orações e pedidos de proteção, por vezes encostando no berimbau com a mão e fazendo o « sinal da cruz » ou ainda « batendo cabeça »13.

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Roda de abertura do Zoom Brasil, em Lyon: mestre Barba Branca do GCAC tocando o berimbau gunga recebendo mestre Laercio e treinel Jonathan ambos do GCFA, respectivamente com os berimbaus médio e viola. No « pé do berimbau » dois angoleiros do GCAC « batendo cabeça » (© Brito, 2009).

34Em alguns contextos, o berimbau gunga é interditado às mulheres, principalmente quando menstruadas. Tal fenômeno ainda se verifica em algumas localidades brasileiras, apesar da forte atuação de coletivos de mulheres capoeiristas14. De qualquer forma, tocar o gunga durante o ritual da roda é algo interditado para muitos angoleiros, sendo tocado preferencialmente por mestres. No caso lyones, não havia nenhum interdito às mulheres que desejavam tocar o gunga, contanto que tivessem capacidade para isso. Aliás, entre os lyoneses, era frequente que mulheres o tocassem porque algumas delas dominavam bem o português e os cantos específicos necessários para o ritual. Normalmente o tocador do gunga é o cantador por excelência.

35Frequentemente ocorre de um mestre anfitrião delegar a função de tocar o gunga a outro mestre visitante, assim ele estará reconhecendo sua capacidade e sabedoria. Quando se trata de um angoleiro hierarquicamente inferior ao mestre anfitrião, porém reconhecido, ele será recebido com um convite para tocar um dos outros berimbaus (viola ou médio) como forma de ser integrado positivamente ao ritual de modo que todos sejam informados de que se trata de alguém bem vindo.

36No Zoom Brasil de 2009, o gunga foi tocado, ora por mestre Barba Branca (GCAC), ora por mestre Laércio (GCFA). Na maioria dos rituais das rodas desse evento – com exceção da roda de abertura que vimos na imagem anterior –, a autoridade esteve nas mãos de mestre Laércio, como se mestre Barba Branca fosse o anfitrião e cedesse diplomaticamente o seu gunga, o que se atesta pela formação da orquestra/bateria condizente com os fundamentos de mestre Barba Branca e de sua linhagem15.

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Evento Zoom Brasil, com a bateria/orquestra formada segundo os fundamentos do GCAC de mestra Barba Branca e com mestre Laércio, do GCFA tocando o gunga (© Brito, 2009).

37Através dos exemplos extraídos do evento internacional Zoom Brasil de 2009, em Lyon, vemos que as funções do berimbau de marcar a autoridade e a transição do estar fora e do estar dentro do ritual (de ser inserido ao ritual como um visitante bem vindo) e do estar fora ou dentro do espaço do jogo (de sair de uma posição de coadjuvante para uma posição de protagonista do ritual) permanece operante16. Ao tentar entender a resignificação da Capoeira Angola lyonesa enquanto um posicionamento « religioso » de viés político em articulação com a continuidade dos fundamentos brasileiros com a qual se compromete, pensamos que o conceito de « glocalização » enfatizando a produção de localidades como consequência da globalização (Robertson, 2000) ainda seja pertinente.

Conclusão

38Considerando o que foi dito até o momento, lembramos das duas frases citadas no início deste texto, atribuídas aos mestres Pastinha e Moraes. Elas foram aqui inseridas por representar, no nosso entendimento, os indícios de uma lógica específica da Capoeira Angola que ordena à sua disseminação global.

39Retomando a primeira frase atribuída ao mestre Moraes : « A roda da Capoeira Angola é como a roda da vida ou a roda do Mundo, uma é pequena e a outra é grande, mas as duas são parecidas e se o camarada aprende a viver na roda de Capoeira Angola ele aprende a viver na roda do mundo »17. Haveria então uma semelhança entre esse princípio e a concepção dos angoleiros lyoneses que creem que aCapoeira Angola é uma alternativa de sociabilização, Irme, por exemplo, diz que uma roda de Capoeira Angola é uma escola de sociabilidade na medida em que, através dela, o sujeito aprende a se expor e se relacionar com outros sujeitos em público e lidar com as adversidades inerentes aos sentimentos que surgem dessa relação.

40A partir da segunda frase, atribuída ao mestre Pastinha, « O primitivo mestre é o berimbau, ensina pelo som »18, sugerimos que a representação acerca do berimbau é assemelhada àquela do mestre : o berimbau ensina pelo som, o mestre ensina pela oralidade, assim como ambos representam a autoridade e a lei e propiciam a conexão entre diferentes esferas simbólicas e sociais.

Esta função conectiva do berimbau se manifesta no ritual da roda enquanto que a função conectiva do mestre aparece no contexto social do sistema de linhagem. Ora, é através destes mediadores que se constroem a sociabilidade e a legitimidade do pertencimento ; ambos são elementos de conexão e de transformação que marcam a passagem do estatuto daqueles que são vistos como « Outro », de fora da roda ou da linhagem, para o estatuto dos que são vistos como parte de « Nós » de dentro da roda ou dentro da linhagem da Capoeira Angola.

41Para embasar nossa perspectiva pensamos em Geertz e em sua perspectiva hermenêutica :

Do ponto de vista pragmático, duas abordagens, dois tipos de compreensão, devem convergir se se quer interpretar uma cultura : uma descrição de formas simbólicas específicas (um gesto ritual, uma estátua hierática) enquanto expressões definidas ; e uma contextualização de tais formas no seio da estrutura significante total de que fazem parte e em termos da qual obtêm sua definição. No fundo, isto é, obviamente, o já conhecido círculo hermenêutico : a apreensão dialética das partes que estão incluídas no todo e do todo que motiva as partes, de modo a tornar visíveis simultaneamente as partes e o todo (Geertz, 1991, p. 133).

42Assim, o berimbau representaria o portal de abertura para que o « Outro » torne-se « Nós » em um ritual de Capoeira Angola e, de forma homóloga, o mestre representaria o portal de abertura para que o « Outro » torne-se « Nós » no sistema de linhagem da Capoeira Angola. Ambos exerceriam essa função associada à sacralidade : o berimbau porque (re)liga duas esferas distintas, o espaço profano dos sujeitos angoleiros com o espaço sagrado onde eles jogam louvando os mestres ancestrais e o mestre porque (re)liga os núcleos de angoleiros emergentes com os mesmos mestres ancestrais que, por sua vez, sustentam as relações sociais e afetivas mediante a linguagem de relações de parentesco de forma semelhante ao parentesco de uma família de santo no Candomblé.

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Esquema da articulação entre globalidade e localidade na Capoeira Angola contemporânea

43As esferas do sagrado e do profano, do ritual e do cotidiano, do simbólico e do social apresentam-se em uma relação de articulação, fazendo com que a Capoeira Angola contemporânea seja a expressão de um processo dialético entre as dimensões do local e do global, ou, em outras palavras, um processo de « glocalização ». De forma análoga àquela de Sahlins (1997, p. 53-59), a transnacionalização da Capoeira Angola não nos parece capaz de desestruturar seus princípios de sociabilidade associados aos valores de sua localidade de origem. A Capoeira Angola lyonesa « glocalizada » apresenta, ao contrário, um quadro de continuidade dos elementos culturais e deslocamentos de significados que fortalecem a peculiaridade de sua organização social : ela seria uma exaltação da tradição brasileira justamente porquanto serviria de crítica a um modelo social que pressupõe o universalismo da modernidade.

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Notes   

1  Mestre Pastinha deixou muitos escritos e pensamentos tanto em Quando as pernas fazem miserê (1960) quanto em Capoeira Angola (1964) onde encontramos os princípios que formam os discursos de mestres contemporâneos e que dão ênfase à convergência das dimensões espiritual e corporal. Encontramos também uma estética do « corpo torto » ou mesmo uma ética da « coisa vagabunda ». Assim, antes de nomear a filosofia de mestre Pastinha e da Capoeira Angola, preferimos aqui apenas apontar esta faceta que ainda está por ser analisada.

2  Rituais onde o iniciante joga com um capoeirista mais experiente, que passa a ser seu padrinho, e recebe dele um objeto signo de sua graduação (corda, cordel ou lenço, etc.), além de um novo nome (apelido) pelo qual será conhecido na Capoeira a partir daí.

3  Atabaque e agogô que podem ser conhecidos por outras designações dependendo dos fundamentos da casa de Candomblé. Os três berimbaus usados nos rituais de roda de Capoeira Angola lembram o uso dos três atabaques do Candomblé.

4  « Festas de largo » são festas religiosas da Bahia, onde prevalecem elementos do sincretismo religioso entre cristianismo e religiões de matriz africana. Ver Santos (2006).

5  Bairro onde ocorria uma importante roda de Capoeira da cidade de Salvador frequentada pelos mestres mais antigos da região.

6  A Capoeira Angola de mestre Pastinha e a Capoeira Regional de mestre Bimba formam duas « identidades contrastivas » (Barth, 1969) entre si : como podemos ver em Brito (2008), é possível perceber que muitos angoleiros reivindicam uma movimentação específica pautados justamente naquilo que julgam « não ser uma movimentação da Capoeira Regional ». Seguindo um esquema desenvolvido em Brito (2010) essa construção identitária contrastiva é consequência de uma alteridade basilar do sistema de linhagens da Capoeira contemporânea onde as diferentes linhagens de Capoeira Angola se identificam entre si, sobretudo através da partilha da « africanidade » como um sinal diacrítico em oposição à « mestiçagem » característica da Capoeira Regional.

7  Celso de Brito integra o Grupo de Capoeira Angola Zimba, fundado por Marcelo Conceição dos Santos, conhecido como mestre Boca do Rio.

8  A ideia de tradição tem sua operacionalidade no universo da Capoeira Angola. Esta prática torna-se, em algumas ocasiões, sinônimo de tradição em oposição à modernidade, esta última entendida como uma visão estreita da realidade, desagregadora de relações sociais, ao passo que a tradição associa-se à ancestralidade, a espiritualidade e a ligação social. Uma homologia é estabelecida entre as oposições « tradição vs modernidade » e « Capoeira Regional vs Capoeira Angola » que se alicerça, contudo, quando se considera a Capoeira Angola como a continuidade da Capoeira que se praticou durante os séculos XVIII e XIX e, em alguns casos, como sendo aquela que veio da África, enquanto que a Capoeira Regional seria contemporânea do processo no qual a economia brasileira se industrializa. De todo modo, termos como « verdadeira », « ancestral » ou « tradicional » são as formas com que a Capoeira Angola – advinda de um mestre e grupo brasileiros conectados por filiação aos mestres ancestrais, como mestre Pastinha – foi assimilada pelo grupo lyones em oposição tanto à Capoeira Regional contemporânea, disseminada na França (esses seriam os modernos por excelência) quanto à Capoeira Angola praticada sem mestre.

9  Tal análise foi realizada em Brito (2010) tendo como uma das referências o « triângulo G.O.L. » de Aceti (2010, p. 7) que consiste na articulação entre a « cultural global », a « cultura local » e a « cultura de origem ». Contudo, em Brito (2010) o triângulo de Aceti é ampliado com a ideia de « cultura de origem mítica » considerando a complexidade das concepções de origem da Capoeira relacionada à África.

10  O título de contra-mestre foi conferido ao Jonathan em um período posterior ao da pesquisa de campo.

11  Para maiores esclarecimentos acerca da concepção religiosa entre os angoleiros da cidade de Lyon ver Brito (2010).

12  Interessante salientar que Araújo (2004) utiliza a expressão « converter-se à Capoeira Angola » do mesmo modo que utiliza a expressão « migrar para a Capoeira Angola » como formas de descrição do fenômeno de transição de sujeitos praticantes de Capoeira Regional para o interior do « sistema de linhagens de Capoeira Angola ».

13  Usualmente nas casas de culto de Candomblé, os adeptos costumam saudar os sacerdotes ou as entidades que se corporificam « batendo cabeça » aos seus pés. Em O mundo de Pernas pro ar : Capoeira no Brasil, Reis (2000) mostra que entre os capoeiristas, assim como entre os adeptos das religiões de matriz africana, há uma inversão da geografia do sagrado em relação às religiões cristãs, localizando-o no chão.

14  Como é o caso do Coletivo de Mulheres Angoleiras Tereza de Benguela da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

15  Diferenças entre as formações da bateria/orquestra dos Grupos GCAC e GCFA : GCAC (gunga, médio, viola, pandeiro, pandeiro, agogô, reco-reco e atabaque) ; GCFA (reco-reco, agogô, pandeiro, gunga, médio, viola, pandeiro e atabaque.

16  Essa dinâmica é algo encontrada em rodas de muitos grupos situados em diferentes locais do mundo, podemos arriscar e dizer que se trata de um invariante dentro das principais linhagens de Capoeira Angola.

17  A frase já se tornou um chavão da Capoeira Angola e é atribuída ao mestre Moraes de quem ouvi durante seu discurso após uma roda de seu grupo em Salvador, em janeiro de 2009.

18  Esta frase encontra-se exposta em muitos espaços onde a Capoeira Angola é praticada tendo o nome de mestre Pastinha como autor, inclusive ela foi o tema de uma conversa entre mim e Irme, um dos responsáveis pelo trabalho do GCAC França, em 2009.

Citation   

Celso de BRITO et Bernardo LEWGOY, «Análise etnográfica de um grupo de Capoeira Angola na cidade de Lyon-França e sua relação com o contexto global», Cultures-Kairós [En ligne], paru dans Capoeiras – objets sujets de la contemporanéité, mis à  jour le : 16/12/2012, URL : https://revues.mshparisnord.fr:443/cultureskairos/index.php?id=538.

Auteur   

Quelques mots à propos de :  Celso de BRITO

Celso de BRITO est titulaire d’un Master en Anthropologie Sociale, Université Fédérale du Paraná (UFPR). Doctorant au PPG/Anthropologie Sociale de l’Univrsité Fédérale du Rio Grande do Sul (UFRGS), il effectue ses recherches sur la capoeira angola depuis 2004, à partir des thèmes suivants: éducation, corporalité, religiosité et transnationalisme.

Quelques mots à propos de :  Bernardo LEWGOY

Bernardo LEWGOY est Docteur en Anthropologie Sociale, Université Fédérale du Rio Grande do Sul (UFRGS), et Professeur do PPG/Anthropologie Sociale de l’UFRGS, président de la Chaire de Recherches (Câmara de Pesquisa) de l’UFRGS et membre du Conseil de l’Institut Latino-Américain d’Études Avancées (Conselho Deliberativo do Instituto Latino Americano de Estudos Avançados). Il travaille dans les domaines de l’anthropologie des religions (spiritisme), de la théorie anthropologique, et de l’anthropologie des relations entre humains et animaux.